30 agosto 2016

RECORDAR...

 Fez anos em Julho (1968) que a C. Cav. 2415 partiu para o Ultramar. Fez anos no dia 8 de Agosto  (1968) que chegamos a Moçambique com destino á província do Niassa. E foi assim que tudo começou.
Quer de uma maneira ou de outra,e por muito que a maior parte queira recusá-lo, toda a guerra colonial foi de todos os portugueses e que originou o fim da ditadura. Estou agora a recordar, porque nesta altura , faz 48 anos que tudo se passou. Nesta altura, a 2415 já estava em acção.
Vou recordar como foi a minha partida perante a minha família. Hoje, para muitos, este assunto é complicado. Complicado de recordar, e complicado para alguns que nos ouvem contar o que se passou. A juventude de agora, desconhece realmente o que foi o drama dos jovens de então que tiveram que aguentar tal situação.
Para fazerem uma ideia, vou contar aquilo que passei na minha despedida.
A minha Mãe, depois de saber que estava mobilizado para a guerra, andava sempre a perguntar-me: Filho. Quando é que embarcas? Não sei ainda mãe. Dizia eu. Eu digo quando souber.
O tempo passava até que foi marcado o dia de embarque. Antes do embarque, fui passar uns dias para casa. Pensava eu: e agora? Como é que eu vou desenrascar-me com a minha mãe? Complicado. Quando cheguei a casa a minha mãe ficou desconfiada! Filho: tu já sabes quando embarcas? Os olhos começaram a brilhar já com as lágrimas dançando. Tu já sabes e não me queres dizer nada. Não mãe, eu ainda não sei a data. Já acabamos de formar companhia e agora temos de esperar. Mas quem engana o coração de mãe? Até porque eu, tinha que preparar uma mala com algumas coisas para levar.
Chegou o dia em que tinha que regressar a cavalaria 7 (unidade onde formei companhia). Aí é que foram elas! Da parte da minha namorada (já noiva) a coisa estava já preparada para a partida, o meu pai, sofria só para si, agora a minha mãe, durante as horas que antecederam a partida não parou de chorar. E chegou a hora. Tinha que apanhar o comboio correio ás três e vinte da manhã na estação de Taveiro que distava cerca de vinte minutos (a pé) de minha casa. A muito custo, despedi-me dela e do meu pai sem deitar uma lágrima.Pois o meu pai, sacrificava-se para ela não ir  não ia também. A minha mãe não desistia. Os vizinhos complicavam. Foi uma luta terrível para a convencer do contrário. Ela, lá ia dizendo banhada em lágrimas: Filho. Deixa-me ir. Eu sei que não te vou ver mais. Tu estás-me a mentir, não mintas á tua mãe. E se voltares morto? Mãe: não pense assim. 
É difícil perceber o que se passa numa altura destas. Eu insistia que ainda vinha a casa, mas não valia a pena. Olhei-a, e não resisti. Ela foi despedir-se de mim.Parece que ainda a estou a ver. Chegou o comboio. Ela não gritou. Em silêncio, apertou-me nos braços e eu senti as suas lágrimas correndo pelo meu pescoço misturando-se com as minhas. No fundo, eram dois sentimentos em comum:O dela, que não me voltava a ver vivo. O meu, era o mesmo. Não sabia o que iria acontecer.
Entrei para o comboio. Fiquei um pouco á porta até o chefe de estação dar a partida ao comboio. Ouço o apito da locomotiva como se ela estivesse a dizer á minha mãe: o teu filho vai partir!
É precisamente nesta altura, que ouço a voz dela num tom bem audível: ADEUS FILHO. SE CALHAR NÃO TE VOLTO A VER. QUE A RAINHA SANTA TE GUARDE A TI E A TODOS. (Rainha Santa que é a padroeira da minha cidade). Foram as últimas palavras que ouvi da minha mãe.Quanto á minha noiva, foi mais fácil a sua aceitação. Nunca quis mostrar a sua angustia confortando a minha mãe antes da despedida e depois dela. Embora venha a saber mais tarde que os dias que se seguiram até receberem notícias minhas não foram nada fáceis. Quanto ao meu pai, tinha o serviço dele que o ajudava um pouco no sofrimento. Também não era fácil para ele, pois só ia a casa de 8 em 8 dias.
Depois, quando me prepara para o embarque (na véspera), liguei para a minha noiva que já estava a embarcar. Mais uma mentira! Senão tinha toda a gente no meu embarque. Sempre o que eu quis evitar. Depois de embarcar, é que eu vi quanto foi bom a minha mãe não estar presente.
Eu sei que recordar este episódio, pode ter pouco interesse. Para alguns sim, para outros não. Mas para estas gentes de agora talvez! E já agora, (como dizia a minha avó) a talhe de foice, nas festas populares que se realizavam por essas aldeias fora, era onde se notava mais a falta da juventude. Os bailaricos ficaram mais pobres. Rapazes eram poucos. A maior parte tinha partido para a guerra. As noivas as namoradas e as mulheres casadas ficavam em casa. Haviam mães que até andaram vestidas de luto até os filhos virem.
Este é o retrato do que se passou por todas as aldeias deste país, pois nas grandes cidades pouco se notava. Nas aldeias, todos sabiam de todos.Mas tenho a certeza que houveram despedidas piores que a minha. Sei que, a agora dá-se pouca importância (é a minha opinião) ao conceito de família, as famílias agora são um pouco desgarradas em seu seio. Antigamente, pais e filhos eram um todo.Mas não vamos falar disto agora. O meu voto, é que a nossa juventude de agora, e a vindoura, não venha a passar por tudo isto que passamos com a guerra do Ultramar ou com outra, e que não se brinque (como em alguns casos) com o que se passou. Cuidado. O mundo não está fácil!

                           Espero que tenham gostado desta minha partilha convosco.

Já agora, para quem estiver interessado, vai-se realizar em Anadia (Biblioteca Municipal) uma exposição fotográfica sobre a guerra do Ultramar com um colóquio de abertura no dia 24 onde estarão presentes algumas individualidades seguindo-se até ao dia 16 de Outubro. Mas brevemente darei mais notícias.

                                Sem mais, um grande abraço para todos. SANTA.




Sem comentários:

Enviar um comentário