29 fevereiro 2012

... miscelânea...

Por: F. Santa

 
                                            O QUE É ISTO ?

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Aqui julgo que a guerra já  tinha ficado para trás. Deve ser já no sul, muito próximo do regresso.




VAGUEANDO PELA GUERRA

Este texto serve para dar uma ideia aos jovens, que visitam o nosso site, de que havia coisas de bradar aos céus. Sei que hoje muitos, jovens e não só, desconhecem certas situações que se passaram no período da guerra. Sendo assim, é bom que se vá ao baú e se desenterrem algumas delas para que esta geração tome conhecimento.
Hoje vou falar superficialmente um pouco sobre os que morriam na guerra, das condições de vida no mato e outros. 


Sabiam que os familiares é que tinham de pagar a trasladação dos corpos para o Continente? Pois é a verdade. As famílias eram informadas da morte dos seus familiares e tinham um prazo (de que agora não me lembro) para depositar uma certa   quantia que rondava (salvo erro) os 7.000$00 a 12.000$00 (na altura), conforme a província ultramarina em que morriam e  o local do Continente onde iriam ser sepultados. Sendo assim, chega-se à conclusão de que o Estado Português só pagava a ida para a guerra, e o regresso daqueles que ficavam vivos! Os mortos tinham que pagar o seu regresso! Quem tinha dinheiro trazia-os para cá, os outros ficavam lá, estando hoje parte das suas sepulturas ao abandono.
Nós estávamos ao serviço de quem? Do Estado. Quem era o responsável por todos nós combatentes e seus familiares? O Estado. Morríamos. Quem era o responsável? Os familiares. Era assim. Hoje as coisas mudaram… São outros tempos! Pena é que este novo Estado Português não se digne transladar os restos mortais dos nossos camaradas que ainda se encontram espalhados por aqueles “cemitérios” completamente ao abandono. Era a última homenagem que podiam dar àqueles que à Pátria tudo deram (até a vida). Trazê-los? É um dever. É uma obrigação.

      
 As difíceis condições de vida que passávamos, chegavam a provocar grande desgaste físico. Tanto em Angola como em Moçambique, e ainda com maior incidência na Guiné, devido ao terreno, já para não falar dos nossos camaradas que participaram no início da guerra.
Destacamento de Matipa
 Eu posso testemunhar, pois estive algum tempo num destacamento (Matipa) com 10 homens em que as condições eram deploráveis. Para fazerem uma ideia, nós dormimos dois meses no chão, enfiados em sacos cama! E quanto à higiene e ao comer? Nem é bom falar. Claro que tanto em Angola como no resto de Moçambique e na Guiné, havia condições muito piores que esta. 


A preparação de muitos não era nenhuma para o tipo de guerra que encontramos (principalmente os primeiros). O armamento, também não era o ideal, nem para atacar nem para defender (eu andei com uma bazuca às costas, avariada, só para meter medo ao inimigo!). A detecção de minas, muitas vezes (se não sempre) era feita praticamente por meios artesanais inventados por nós (as picas), as transmissões, eram rascas  -- um suplício. Os rádios de que dispúnhammos (de uma maneira geral) raramente funcionavam. Na sede da Companhia não havia tanto esse problema, mas no mato é que era o bom e o bonito! E no tempo das chuvas? As dificuldades aumentavam. 
 Então em Matipa é que era impossível contactar com alguém. Era o isolamento total do resto. Chegávamos a ir para pontos mais altos e nada!  Esta foto (parecida com outra já publicada) onde eu estou, foi tirada perto de Massangulo  durante uma patrulha, a tentar ligação com Lione.O seu browser pode não suportar a apresentação desta imagem. 



Quando vou às escolas, os alunos  perguntam como eram as nossas casas de banho, como tomávamos banho, onde é que nós comíamos e se era bom. Bem. Em alguns casos as nossas casas de banho era ir ao meio do mato... Quanto à comida nem era boa nem era má, era péssima. Tomar banho? Muitas vezes era um bidon (que serviu ao Gasóleo ou à Gasolina) montado em cavaletes, água lá para dentro e já está! Uma vez um aluno fez-me esta pergunta: se tínhamos água canalizada! Dá para entender.
Pois é. A nossa juventude sabe muito pouco da nossa guerra do ultramar, é bom que todos nós possamos divulgar para eles o que realmente se passou e em que condições. 

Falando em métodos artesanais de encontrar minas, não podia passar sem apresentar esta foto que foi tirada pelo nosso camarada do B. Caç.3834 Carlos Vardasca (um abraço). Como se pode ver é bastante original. Segundo diz o nosso camarada, os resultados não foram lá muito bons...
 

                                      Para todos um grande abraço do SANTA


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2 comentários:

  1. A tua ideia de nunca pensares em deixar cair em saco rôto a guerra do ultramar com todas as suas grandezas e misérias sensibiliza-me sempre. Mais ainda por quereres passar aos nossos jovens uma verdade, inesquecivel e inatacável, para que perdure para sempre. Deixar as gerações futuras na ignorância, apontando só Aljubarrota como o nosso maior feito, é ter medo da História é cobardia. Os livros onde aprendi ensinaram-me que o nosso povo é Grande desde o inicio da nacionalidade, são seculos de História assumida que o mundo conhece e admira.
    Acredita que lamento bastante que estejas quase sózinho nesta luta de persistência. Afinal a tão propalada "solidariedade" é uma palavra vã. Por ser verdade dói que se farta.
    Conta comigo, continuo a dever-te, cada vez mais, enorme gratidão.
    Finalmente, nunca são demais os alertas, a quem de direito, para o esquecimento propositado dos militares portugueses mortos ao serviço do Pátria que por África ficaram enterrados e dispersos, muitos deles em parte incerta.
    Haja decoro e o minimo de respeito e dignidade, são portugueses e têm, segundo a Constituição da Republica, o mesmo direito que qualquer outro à sua Pátria mesmo depois de mortos e de 4 decadas passadas.
    NOTAS: Quanto a mim a foto do Morgado agarrado ao balde da água é em Tenente Valadim.
    Sobre andares com a "bazuca" avariada ao ombro só para meter medo ao IN é simplesmente hilariante, digno dos nossos antepassados!
    É por estas e por outras que alguém inventou a célebre frase: "Éramos carne para canhão"!
    Um abraço amigo Santa.

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  2. Obrigado uma vez mais pela força que vais tendo para ires dando umas (pinceladas)para os mais esquecidos e em especial os mais jovens.O teu relato é na verdade uma luta contra o tempo pois muitos nunca apesar do esforço de meia duzia de homens como tu nunca chegarão a saber o quão dura foi aquela luta.Aproveito aqui para vos remeter para um meu pequeno desabo sobre aquilo a que chamavam comunicações
    .As Debilidades das Comunicações
    Sirvo-me desta foto de um Rádio do qual não sei o nome,origem ou se foi utilizado pelas N.F.ARMADAS,(an/prc-10 ou an/prc-25),mas tão só para descrever um pouco das grandes deficiências por que passei no Catur nos anos 1969-70.
    Nessa altura o RACAL ainda não tinha aterrado naquela base.
    Os existentes, excepto o an/grc-9 que pelo elevado peso não dava jeito nenhum transportar às costas,os outros tinham alcance reduzido não me recordo se da velhice ou de nascença.
    Não raras foram as vezes,para não dizer sempre pois muitos diriam impossível, que a partir de 10-15km do quartel ficamos sem qualquer contacto,entregues a nós próprios e à sorte que foi muita que quase nem sentíamos a falta de tão preciso meio de ajuda como era a comunicação.
    Exceptuando alguns pequenos desencontros de avaliar as causas de tamanha deficiência entre mim e o Comandante de pelotão tudo correu bem com na ajuda dos Rádiosmontadores Malheiro,Albuquerque que tudo faziam quer testando e melhor confirmando que os ditos rádios estavam mesmo ultrapassados,mas a melhor ajuda veio do IN. (FRELIMO)que mais ou menos nos foi deixando em paz..(Obrigado)Frelimo.Viva o RACAL.Um grande abraço para ti Santa(o) lutador Quimarques

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