29 setembro 2009

MEDLEY DA GUERRA

(por F. Santa)       
  
Começo este “medley” da guerra com uma pergunta: Onde estão os nossos camaradas? Onde estão essas histórias para contar?

Vou então começar pelas vésperas do embarque. Uns dias antes eu o Quintino e mais dois que agora não me lembro, fomos para o presunto e vinho verde lá para os lados do “Caramanchão” d`Ajuda e de seguida para o “Intendente”.De regresso, apanhámos o eléctrico para a Calçada d'Ajuda, era o último só com quatro passageiros que éramos nós. Como se lembram o eléctrico parava no cimo da Calçada e não vinha para baixo, pois não havia linha, mas o Quintino queria que o eléctrico viesse a Cav.7, tendo mesmo parado algum tempo até se resolver o problema: vir a pé. Era a força do Verde!

Na véspera do embarque fui fazer a despedida para o “Ritz” com uns colegas que estavam em Lanceiros 2. Resultado: uns copos a mais e a chegada a Cav.7 já fora de horas e ser o último a chegar ao local de embarque.

Agora já no barco, lembram-se daquelas aulas de ginástica? E daquele célebre conjunto que tocava quando do almoço? Pois é: éramos uns músicos! Em Vila Cabral quem se lembra do Café Planalto e de alguns bons bocados que lá passámos? E dos “Monhés”? Aquele que tinha as duas filhas e uma delas a “Faradiba” ou “Faraida” já não me lembro bem, que era feia e o pai dava um bom dote a quem casasse com ela? Do célebre restaurante “Coelho” onde se comia um bom frango de churrasco? Daquela célebre patrulha do terceiro pelotão que se perdeu, andou por terras do Malawi, acho que é assim que se escreve, e que só o som do motor do gerador de Chála é que nos salvou? Do Norberto que ia cantar fados de Coimbra para o posto de vigia do lado do rio em Chála? Pois é. A minha memória já é muito má para recordar estes episódios ao pormenor, por isso deixo aqui muito pano para mangas para camaradas nossos entrarem em contacto e bem ó mal como eu desabafarem! Vamos a isso. Abram o vosso baú das memórias, não podemos morrer no tempo, escrevam !

Depois de tanto escrever, não podia deixar de prestar uma homenagem ás nossas mães, que tanta influência tiveram enquanto combatíamos dedicando-lhe este poema de Rosa Lobato Faria:

INESGOTÀVEL CORAÇÂO.

Nas agruras do mato
Sob o olhar da morte
O teu retrato, mãe
É que me dava sorte

Era a tua lembrança
Que me dava coragem
E a esperança tinha, mãe
A tua imagem

Quem me salvou a vida
Foi a tua oração
E a batida, mãe
Do teu inesgotável coração

Agora a minha luta
É este dia a dia
E é o teu rosto, mãe
Que me alumia

E pecador que sou
Se um dia entrar nos céus
Saudoso dos teus braços
São os teus olhos, mãe
Que hão-de guiar os meus
A dar, na mão de Deus
Os meus primeiros passos.


Olá Artur! Por onde andas tu?
Um abraço para todos do Santa.


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25 setembro 2009

O começo da guerra...

25-09-1964 
 Testemunho de um interveniente:
“O polícia veio e estacionou à porta da casa do chefe de posto, sentado numa cadeira. Era branco. Eu aproximei-me do polícia para o atacar. O meu tiro era o sinal para os outros camaradas atacarem. O ataque teve lugar às 21 horas. Quando ouviu os tiros, o chefe de posto abriu a porta e saiu – foi morto por um tiro. Para além dele seis outros portugueses foram mortos no primeiro ataque. A explicação dada pelas autoridades portuguesas foi “morte por acidente”. Retirámos. No dia seguinte fomos perseguidos por algumas tropas – mas nesse momento já estávamos longe e não nos encontraram.”
Alberto Chipande, que conduziu uma dúzia de homens, descreveu assim no seu relatório a ocorrência naquela noite de 25 de Setembro de 1964.


Transcrito deste Blog   

 Outra versão:


"Completam-se hoje as 21:00 de Moçambique (20:00 em Portugal) 39 anos  (escrito em 2003...) do primeiro ataque (oficial) da Frelimo e sua guerra de libertação do país. Foi no Chai, a norte de Macomia a escassos 10Kms do rio Messalo.
Tinha 8 anos, estava lá, assim como os meus pais, não morri... nem ninguém morreu de ambos os lados, e lembro-me de quase tudo. Tudo aquilo se resumiu a 2 rajadas de metralhadora (uma de cada lado).
Demorou 1 ou 2 minutos e depois foi a fuga dos atacantes.
A minha mãe lembra-se que nesse dia a tarde, andou uma pessoa desconhecida ali nas lojas no Chai e com umas ligaduras na perna ou no pé. Andou umas 2 horas a "passear-se" pela localidade. Veio-se a saber mais tarde que essa pessoa desconhecida andou a fazer o reconhecimento da zona.
A data, hoje em dia, é comemorada em Moçambique como Dia das Forças Armadas."
(Citado aqui, com interessante polémica...)  


 

            

20 setembro 2009

...VISÕES...

(Ant. Paulo) 
            Tambores, fanfarras, guiões, bandeiras e estandartes
      Fardas em desfile
      Hinos
      Pátria amada. Filhos da Nação
      Discursos moralizantes
      Vassalos e mandatários de governantes
      Donos da guerra e da paz
      Cais de embarque
      Multidões chorantes
      Mães, filhos e esposas delirantes
      Beijos, abraços, gritos, desmaios, angústia, dor, sofrimento
      Mar calmo, mar revolto, mar imenso
      Caminho das Indias
      Viagem com esperança no regresso
      Cabo das Tormentas
      Ventos orientais africanos
      Descarga de gente requisitada e numerada
      Semblantes carregados. Incertezas
      Lione, Chala, Matipa, Vila Cabral, Luatize, Tenente Valadim
      Lugares marcantes
      Picadas, trilhos, caminhos errantes
      Caminhadas imensas, caminhadas intensas
      Selva, embondeiros, capim, feijão macaco
      Bichos selvagens, moscardos, moscas, mosquitos
      Cansaço, desânimo, sede, esgotamentos
      Doenças e acidentes. Paludismo. Desfalecimentos
      Trovoadas, chuvas torrenciais. Rios cheios, rios vazios
      Cacimbo, lama, pó
      Miséria e  fome
      Crianças inocentes, barrigas grandes, umbigos salientes
      Psico
      Cartas, aerogramas e outras missivas
      Madrinhas de guerra, abençoadas divas
       A berliet, o unimog, a cabra do mato
      Viaturas para colunas, colunas sem viaturas
      Espingardas, bazucas, morteiros, granadas, minas
      Metralha, explosões
      Nervos à flor da pele
      Gritos de dor, gritos de raiva
      Sangue
      Aviões e helicópteros
      Urnas de chumbo
      Homens de luto chorando
      Soldado que não volta à sua terra
      Vendilhões de patriotismo que espetam no peito cruzes de guerra
                               …...............
      Pela calada da noite é a fraqueza que vem
      Sinto nos meus olhos as lágrimas de minha mãe

  Ex-fur. Paulo

19 setembro 2009

O COMBOIO DO CATUR

(Por A. Paulo)
 
Já  agora deixem-me recordar a viagem do nosso comboio a que se refere o meu amigo Santa. Parece que tem muita “pintura” mas a história é verdadeira.


      O trem a vapor era do tempo do oeste americano. A linha era tão estreita que os carris mais pareciam os do eléctrico. As carruagens acompanhavam e complementavam o resto do cenário. Até parece que tinham as rodas quadradas.
      Saímos do paquete Vera Cruz, em Nacala e como era normal nestas coisas, mas para nós era a primeira experiência, muito apreensivos. No cais tínhamos a recepção há muito desejada e esperada pelos VELHINHOS. Homens queimados pelo sol africano, com os camuflados amarelados e esfarrapados pelo uso, deram-nos as boas vindas. “Ó checa sai do barco”, gritavam uns. “O barco é nosso, ó checa”, proferiam outros em explosão de alegria.
      Os “checas” éramos nós. Era o nome dado aos “maçaricos” que chegavam da Metrópole com as suas fardas verdinhas, quase engomadas e a cheirar a naftalina. Que lindo nome nos arranjaram.
      Aqui a conversa já era outra, pois os galos de crista vermelha que empoleirados no seu trono viram desfilar os franganotes em Lisboa e Lourenço Marques, já cá não estavam. “Meus filhos, tomai esta ração, crescei e façam-se frangos do campo e... o resto salve-se quem puder”.... As ordens são para cumprir e não se discutem.
      “Ó pessoal vamos lá receber as armas”, gritou alguém da nossa CCAV. E o nosso pessoal alinhado lá se foi chegando aos camaradas da companhia cessante, que com a amabilidade e tratamento personalizado q.b., fizeram a entrega da inseparável espingarda G-3. ...E agora para o comboio que se faz tarde.
      Parece-me que nos estavam destinadas três carruagens, que tivemos de dividir da melhor maneira, para homens, armas e bagagens, a contar com os dois dias de viagem que tínhamos pela frente até ao final da linha – CATUR. Que sorte a minha ter arranjado um pequeno espaço no corredor, que com os papelões das caixas das rações de combate e uns centímetros roubados à casa de banho, de porta aberta, proporcionaram a minha confortável cama.
      E lá arranca o malfadado comboio puxado por uma pequena maquineta a vapor, lento como o caracol, com destino às portas da guerra – Nova Freixo.
      Passou a noite. O dia estava a amanhecer o que me fez levantar da minha improvisada cama, torcido claro, e olhar através da janela do meu “compartimento”. Ou eu estava tonto, bêbado de sono ou então levantei-me ao contrário. O comboio estava a andar para trás, com mais força do que andava para a frente. O que se passa?!...
      Era verdade. Aquela pequena máquina a vapor não tinha canetas para subir o desnível que tinha pela frente e então estava a fazer marcha atrás para apanhar embalagem para transpor o obstáculo. Sem êxito, claro, pois cada investida ao objectivo foi sempre um fracasso. Em bom português, “borrava-se” toda espalhando vapor por todo o lado. Por fim encontrou-se uma solução, que foi partir o comboio ao meio e levar metade de cada vez  à estação de Nova Freixo. Por fim chegámos à denominada “ZONA DE GUERRA”.
      Quem diria que ali perto da estação do caminho de ferro estava um laranjal!...
      “Ó senhor dê-nos lá uma laranja”, pediram algumas gargantas secas ao dono que ali se encontrava. “Tá bem, diz o homem, colham desta e daquela”. E então em escassos segundos as laranjeiras ficaram despojadas dos seus apetitosos frutos e quase sem folhas. Por acaso eram deliciosas e souberam bem.
      Agora a próxima paragem era já o Catur. Meteram o rebenta minas à  frente da máquina, que puxava as inúmeras carruagens do nosso comboio militar, agora ajudada por outra que no fim da composição empurrava como podia para concluir a sua penosa tarefa.
      Guerra é guerra!... E lá começamos a meter os canos das espingardas pelas janelas fora, não fosse o diabo tecê-las, para uma reacção mais rápida ao ataque dos “turras” que por ali poderiam andar.
      “Ó checa, a guerra é lá em cima”, gritavam os velhinhos, que perto da linha assistiam à passagem do nosso comboio.
      E foi aqui, nesta viagem inaugural, que começou a nossa PSICO. Centenas de bolas de queijo, concretos de fruta e outros excedentes das rações de combate eram lançados às crianças, nuas ou seminuas, que junto à linha, com a suas barrigas dilatadas, nos acenavam em sinal de agradecimento.
      Enfim Catur. Zona essencialmente militar onde os comboios chegavam ao fim da linha. Vários veículos militares –Berliet Tramagal- esperavam por nós para nos darem “boleia” até Lione. Naquele tempo o nosso GPS indicou-nos que o melhor era ir por Nova Guarda, via Vila Cabral, pois lá para os lados de Massangulo, (via alternativa) mais precisamente no caracol, havia muitas curvas,  o que poderia provocar muitos “enjoos” ao pessoal.
      Já  era noite quando chegamos ao nosso destino –Lione-, onde os velhinhos nos receberam com archotes e tiros para o ar e depois...... Ponto final, parágrafo. Cada um de nós tem a sua “história” para contar. Pode ser dura, mas é a realidade.
      Já  agora duas fotografias alusivas ao nosso comboio. 







Um abraço do Paulo










16 setembro 2009

E O FILME CONTINUA ...

(Por  F. Santa)
Quem não se lembra do filme: O comboio do Catanga? Pois eu vi esse filme antes de ir para a tropa e nunca pensei reviver quase na prática o mesmo, como todos nós vivemos.

  O célebre comboio que nos transportou até “Catur”, levando no seu interior aquela massa humana apinhados uns em cima dos outros debaixo daquele calor tórrido ficou até hoje na minha memória e com certeza na vossa também. Ainda me lembro do rebenta minas que ia à frente das duas máquinas a vapor que puxavam todo aquele comboio, que mais parecia uma serpente gigante serpenteando pela selva fora. Lembro-me ainda quando aparecia uma subida, lá parava o comboio e lá ia o preto (com o devido respeito) poste acima como um macaco, levando consigo o telefone para informar a estação mais próxima que o comboio tinha que ser fraccionado. E o que acontecia? Lá ia metade do comboio e a outra metade ficava á espera.
  Chegados a “Catur”, já era noite e lá fomos para “Lione”cobertos de pó da picada qual moleiros de farinha amarela! Deixamos o cavalo de ferro a descansar da sua caminhada. Foram vinte e tal dias de barco; cerca de quarenta e oito horas de comboio, e finalmente tinha-mos chegado ao cenário de guerra. Lembro-me ainda de alguns avisos: A partir de agora não há postos; os oficiais podem dormir com soldados, e se possível todos põe bala na câmara! As divisas passarão a ser as camufladas.
  Não me lembro de mais nada neste momento, mas com certeza haverá mais episódios que alguns se hão-de lembrar, e sendo assim continuem o filme.


Que tudo quanto vimos
Que tudo quanto vivemos
Que tudo quanto agredimos
Que tudo quanto sofremos


Se grite bem alto
Aos quatro ventos
Para que o povo acorde
e todos nos libertemos!
      “Capitão Calvinho” 
                                      


      Mais uma vez: Um abraço para todos.
                                                              
                Santa
  

12 setembro 2009

AS TRANSMISSÔES


     (Por Ant. Paulo)

Hoje vamos dedicar um pequeno espaço às transmissões. Não são transmissões de propriedade, nem transmissões de pensamento. São mesmo transmissões de transmitir, ou seja, telefonar através daqueles caixotes obsoletos, alimentados por baterias que mal suportavam as cargas e orientados por cordas de estender a roupa.
      Tempos difíceis e de sacrifícios, mas o pessoal lá cumpriu a sua missão  com o melhor empenho possível. Um abraço a todo o pessoal das transmissões.
      Mando uma fotografia com o dito pessoal, com excepção de dois elementos que na altura não eram da comunicação, mas são agora.
      Agradeço que me digam o nome dos três elementos menos conhecidos por mim, para anotar na fotografia.
      Um abraço do Paulo

  

06 setembro 2009

Exposição de Fotografia



Todos nos recordamos do (ex-alf.) M. Magalhães como apaixonado pela fotografia e cinema. Creio até que era o único detentor, em toda a Companhia, de uma máquina de filmar em formato super 8 (ao tempo, o topo de gama para amadores...) , e já era leitor dos Cahiers du Cinéma

 O que nem todos saberão é que ele continuou o seu percurso, tornou-se um perito em História da Fotografia, especialmente em Portugal e na cidade do Porto, onde vive. E tem percorrido o mundo, sempre de máquina em punho.  É impressionante o número de exposições, individuais e colectivas, em que tem participado em  Portugal e no Estrangeiro.

É por isso, e a oportuna sugestão do A. Castro,  com o maior prazer que tomo a liberdade (sem o  consentimento do visado...) de aqui publicitar mais uma Exposição Fotográfica que estará patente no Porto (Galerias Serpente, na R. Miguel Bombarda,558) a partir do próximo dia 16.



E UM APELO: Que  o M. Magalhães encontre algum tempo, na sua vida atarefada, para partilhar connosco, neste BLOG que em tão boa hora iniciou, alguns instantâneos da nossa vida em África, que com certeza conservará nos seus Arquivos. Valeu?



02 setembro 2009

A GUERRA

(Por  F. Santa)

Lendo o livro de poesia do nosso camarada Capitão Calvinho, deficiente das Forças Armadas, não podia deixar de transcrever para todos um excerto do prefácio do mesmo livro da autoria da Associação dos Deficientes das Forças Armadas que diz o seguinte:

“ Os homens vitimados pelas minas e pelas granadas, nas matas e nas picadas, maltratados nos hospitais, escondidos da sociedade, abandonados e desprezados, como farrapos, por quem deles se serviu, jamais calarão a voz da razão, a voz da sua justiça.”

   Para quem não sabe, eu pertenço a esta Associação. Eu sou um daqueles que também ainda não se calou e não se irá calar jamais, tanto em defesa dos deficientes mas também em defesa daqueles que não sendo deficientes, hoje sofrem no corpo os males da guerra que transportarão até ao final das suas vidas e que os nossos governantes de outrora e de hoje sofrendo de “Amnésia” se esqueceram de todos nós.
                  
    Do nosso camarada Capitão Calvinho aqui vai um dos seus muitos poemas:




                “ INTRÓITO”  

Eu não canto o épico da guerra
Não, não canto!
Eu canto a agressão
Que fui e suportei!
--Eu fui à guerra:
MATEI!..
--Aqui estou, hoje e agora,
Amanhã e sempre,
Para gritar em verso ou em prosa
Aquilo que vi, fiz e vivi:
--Porque acordei!
E dou testemunho de tudo quanto canto
Pois tudo vivi como instrumento
E hoje sinto como canto!
--Não quero esquecer a guerra!
Ninguém a deve esquecer!..
A lembrança
há-de ser
até morrer
o permanente estigma
que todas as madrugadas
me há-de mobilizar! 

Tudo isto que nós transportamos para este nosso espaço, não é mais que um grito de revolta suave e também de resignação, mas também um sinal de que estamos vivos apesar das nossas fraquezas.

  Artur. Estás sempre atento! 

  Um abraço para todos.
  F. Santa